Página 7

Apresentação de textos modelares no Instrumento Técnico da Tecnologia Educacional Amigos de Letras na Escola.


Os textos abaixo são parte do Lote “Naná e o Beija-flor” (18 textos), de autoria da Amiga de Letras Maria Coquemala, e impressos para o Projeto Piloto em Barra Bonita (SP).
Como valor intrínseco do Instrumento Técnico de Aplicação, o uso da literatura infanto-juvenil de novos autores em textos curtos criteriosamente selecionadas, de modo que possam atender à compreensão da faixa etária dos 7 aos 11/12 anos, trazendo valores como amizade, perseverança e solidariedade entre outros. No rodapé de cada texto, os créditos ao autor.                                                 


Texto   01 - Naná e o Beija-flor 
Quando as andorinhas contaram que tinham ouvido o chorinho de saudade de Naná ao passar por Curitiba, Bê decidiu partir ao encontro da amiga. Abriu seu armário onde guardava suas melhores coisas e preparou a pequena bolsa de viagem. Queria apresentar-se muito bonito, cheiroso, valorizar-se perante Naná. E foi despedir-se de tio Pedro:
- Estou de partida, tio Pedro.
- Como assim, Bê? Vai pra onde? Por quê?
- Vou para Curitiba, tio Pedro. Naná chora de saudade. Ela tá me querendo, tio.
- Curitiba fica lá no fim do mundo, Bê, vai cansar demais suas asinhas. E tem moleques com estilingues no caminho, gatos espertos, cascavéis espreitando… E as noites podem ser escuras e perigosas. Pense bem, Bê.
- Conversei com o Vento, tio, vai me ajudar a voar mais rápido. Uma estrelinha amiga prometeu me orientar. A Lua me garante luz quando eu voar à noite. Os vaga-lumes vão acender suas luzinhas quando eu estiver no chão. As rosas prometem me alimentar. O sereno será minha bebida. Não se preocupe, tio Pedro.
- E as cascavéis, Bê? E os meninos com suas pedras e estilingues?
- Você me ensinou que temos que enfrentar os perigos, tio Pedro. Vou ter que enfrentar tudo isso, se acontecer.
E partiu.
Tio Pedro ficou triste. Entre tantos passarinhos moradores do jardim florido e do pomar cheio de frutas, Bê era o mais amado. Bê é um beija-flor que ele encontrara filhote, quase morto, entre as rosas do jardim. Tinha conseguido salvá-lo. Era o único que morava dentro de casa, mas em plena liberdade.
Saíam juntos nas manhãs luminosas, conversavam com os outros pássaros, desfrutavam das belezas da beira-mar. Gostavam de ver os pescadores se afastando, muito longe, sabiam que estariam de volta ao anoitecer, com as cestas cheias de peixes. Escolhiam conchinhas na areia pra fazer os lindos colares que tio Pedro venderia nas feiras de artesanato.
Tio Pedro não quis impedir a viagem. Sabia que Bê tinha que construir seu próprio destino, conhecer o mundo, visitar Naná, acabar com seu chorinho de saudade. Quem sabe um dia estaria de volta e teriam tanto a conversar sobre a fantástica viagem.
A princípio, tudo correu bem, Bê voava de dia ajudado pelo vento, descansava à noite, sempre ajudado pelos vaga-lumes, até que… Até que veio a tempestade, a estrelinha amiga sumiu na noite tempestuosa, o vento era outro, furioso, arrancando árvores e derrubando ninhos, vaga-lumes se esconderam em suas casinhas. Molhado e tremendo de frio, Bê procurou um abrigo. Achou uma caverna, viu brasas brilhando no fundo, certamente uma fogueira de alguém se aquecendo.
E o susto!!! Na verdade, as brasas não eram brasas, e sim os dois olhos de enorme cascavel, pronta para o bote. Sentiu a atração daquele olhar sobre ele, ficou paralisado, não conseguia mexer uma peninha que fosse, o coração querendo saltar do peito, tanto que batia. E então se lembrou de tio Pedro:
- Feche os olhos, vire-se e corra se encontrar o olhar de uma cascavel.
Assim fez e voltou correndo à chuva e ao vento, trêmulo do susto.
Então Juju, a velha coruja, que do seu ninho a tudo assistia, chamou Bê, enxugou suas peninhas, alimentou-o e deu-lhe lições de como sobreviver no perigo. Ao raiar do sol, partiu, deixando uma amiga inesquecível. Começava a perceber a importância da solidariedade nos difíceis momentos da existência.
E assim, Bê ia se aproximando de Naná, conhecendo novas paisagens, fazendo amigos pelos caminhos. Então encontrou o Pica-Pau.
- Venha, Bê, vai conhecer minha casa e meus filhinhos. Descanse uns dias, você parece exausto. Tantos os dias voando…
E Bê foi. E os pica-pauzinhos o levaram pra conhecer os ipês floridos, eram tantas as flores,  um espetáculo de rara beleza. E eram buliçosos, cutucaram um oco de árvore e, de repente, viu-se envolvido por milhares de negras abelhas. Bê levou muitas picadas e ficou caído no chão, desmaiado. Tinham sumido todos os pica-pauzinhos, de volta na correria ao ninho, perseguidos pelas abelhas.
- Ah, meu pequenino beija-flor, as abelhas o atacaram? Mas está vivo, sinto o coraçãozinho ainda bater. Vou carregar você pra meu ninho.
E Guigui, a águia, o levou para o alto da montanha. Bê morou dias com a nova amiga, gostando de ver lá do alto os crepúsculos dourados, os bandos de pássaros, os aviões dos humanos ao longe, as brancas nuvens quase sobre sua cabeça, o brilho das estrelas nas noites escuras. Lembrou-se de tio Pedro, de suas belas palavras quando falava da amizade, entendendo melhor o sentido delas, através dos encontros com Juju e Guigui.
Mas um dia partiu, tinha sua missão a cumprir, estancar o chorinho de saudade de Naná. Voava tranqüilo sobre o mar, quando viu os meninos brincando na praia, empinando coloridos papagaios, pegando ondas, soltos e felizes. A vida era bela, o mundo, enorme e fascinante. De repente, a pedra passou zunindo, por pouco não atinge sua cabeça. Ficou atordoado, caiu no mar, sentiu o puxão da rede, os peixes se debatendo e falta de ar. E o pescador advertindo:
- Cuidado, passarinho, ou acaba na panela com os peixes.
O sol brilhava, quando avistou a casa de Naná. E foi chegando bem devagar com sua bolsinha de viagem. Limpou as penas e se perfumou. Queria que o visse bem bonito. Seria uma surpresa. Então ouviu vozes alegres nas varandas cheias de verdes samambaias, dezenas de casinhas de beija-flor penduradas por todos os lados, passarinhos entrando e saindo, Naná risonha e feliz entre eles. Aproximou-se dela, que não o reconheceu. Cadê o chorinho? Cadê a saudade? Fora tudo fofoca das andorinhas? Escondeu-se num canto e chorou. Tanto tempo perdido? Tanto perigo enfrentado pra nada? E pensar que deixara tio Pedro sozinho e triste, tão longe…
Bateu asas e voltou para casa.
- Ah, tio Pedro, foi uma viagem tão  longa, tão sofrida.E pra nada?
- Não, Bê, foi uma viagem e tanto. Você experimentou o valor da solidariedade com Guigui e Juju, testemunhou o amor de Naná aos passarinhos, conheceu belezas naturais, se fortaleceu enfrentando terríveis perigos. O pequenino e frágil Bê da partida não é o Bê experiente da volta, pois sabe muito melhor agora o que é emoção, amizade e a luta pela vida.
- Sei mais, muito mais, tio Pedro, sei que aqui é o lugar onde quero ficar para sempre. Sei o que é saudade também.
- Vamos dormir, Bê, você deve estar cansado. 
***
Do livro Naná e o Beija-flor de Maria Coquemala, de Itararé - SP.  Além desse, é da autora “Circulo Vicioso”, “O último desejo” e “Além dos Sentidos”. Contato: maria-13@uol.com.br


Texto 02 - Aline e Coralina
Coralina vivia feliz, caçando bichinhos, tomando banho de sol na varanda do casarão da fazenda Rio Negro no Pantanal, às margens do rio de águas escuras. Ninguém, nada a perturbava. E sonhava... Sonhava que um dia alguém a levaria à cidade numa cesta confortável, conheceria o mar, outras cobras diferentes. Quem sabe um namorado na praia, um surucucu caçador de ratos gordos que comeriam juntos à sombra dos coqueirais, desfrutando das belezas da beira-mar...
Mas, um dia, ouviu vozes diferentes, estranhos estavam chegando, ouvira o aviãozinho roncando lá em cima, depois aterrissando na pista verde. Podia sentir a agitação das emas, via as pererecas saltando curiosas, as capivaras perplexas, os grilos se calando... E a natureza perdendo sua paz com aquela gente barulhenta, competindo com os gritos das araras coloridas...
Naquele dia, Coralina, insegura, disfarçada, arriscava umas horinhas de sol, escondida num cantinho da varanda, entre vasos de samambaias e begônias floridas e... E, de repente, o grito! Muita gente veio correndo, alguém se assustara com sua presença... Eram gritos de Aline, a menina da cidade, que nunca tinha estado frente a frente com uma cobra. Menina escandalosa, pensara Coralina. Ter medo dela, tão pequenina? Comparasse os tamanhos... Foi depois virada e revirada pelo gerente do hotel, sem nenhum respeito... Gostaria de lhe fazer o mesmo, só assim poderia sentir seu doloroso revirar-se... Agitava-se, se estressava, queria picar e envenenar todo mundo, todo aquele povo malvado que a fazia sofrer. Especialmente a bióloga de fala mansa e diagnóstico terrível. Pobre cobrinha ouvindo dela o que preferiria ter ignorado pra sempre,
-Não é peçonhenta, os belos anéis coloridos não dão a volta pelo corpo todo, barriga é branca por baixo, característica das corais não venenosas ...
Não venenosa? Ai dela! Como se defenderia dos bicos afiados das emas, de gente, de tantos outros predadores? Nada de veneno? Logo ela que se supunha a mais terrível das serpentes? E se todo mundo soubesse? Que seria de sua vida? Brincadeira de turistas? Das crianças pantaneiras? Havia que pensar num plano de sobrevivência.
Foi levada para longe, muito longe, pendurada num pedaço de pau, suprema humilhação. E deixada à margem do rio, estressada, lamentando a triste sorte, sozinha, sem veneno... Cacá, o jacaré gorducho, ouvindo o chorinho de Coralina, tentava consolar,
- Você não tem veneno, mas todo mundo pensa que tem, cobrinha... Até eu pensava. Mantenha a pose, levante a cabeça, agite o rabo, enfrente...
-Ah, Cacá, fiquei naquela de se correr o bicho pega, se ficar o bicho come... Me entende? Se pareço venenosa, me matam... Se não pareço, vou virar brincadeira de turistas, da criançada, comida fácil das emas e outros pássaros vorazes... A vida se tornou uma imensa complicação, Cacá. Por que a bióloga tinha que aparecer no meu caminho?
Chorava de soluçar quando, de repente... Lá estava Aline, olhando-a, penalizada, querendo se desculpar,
-Pobre cobrinha, me desculpe, mas, como poderia saber que nenhum mal me faria? Cresci sem nunca ter visto cobras de perto, mas sabia que podem ser venenosas, me picar, me matar, aprendi na escola, então me assustei demais, fiz “barraco”, e você agora aqui, chorando. Como posso ajudar, Coralina?
- Ah, Aline, entendo, no seu lugar, acho que faria o mesmo.
- E então? Como ajudar?
- Me leve com você pra cidade, Aline, esse já era o meu sonho dourado, conhecer outros mundos, cobras urbanas, só conheço as minhas semelhantes aqui do mato, umas caipiras...
- De que jeito, Coralina?
- Me leve na sua mochila, me comporto, ficarei quieta, prometo nunca perturbar... Sei fazer cada coisa! Sei cada história! Serei uma alegria na sua vida... Me leve.
- Levo, sim, Cobrinha, mas ninguém pode saber... Se souberem, nem imagino o que pode acontecer a nós duas...
E assim, Coralina vivia escondida, mas em paz, no jardim da casa de Aline, na cidade, se divertindo com tantos beija-flores que ali iam beber água açucarada que a irmã Jéssica punha nos bebedouros... Até o gato a respeitava, supondo que fosse venenosa... Mas, de repente, apareceu a vontade de conhecer “lá fora”, o mundo.  Um dia, entrou quieta na mochila escolar de Aline e...
E se encantou ouvindo a professora falar sobre a necessidade de proteger “todos” os animais... E num repente de entusiasmo, quis participar da conversa, mostrar quanto isso era importante, enfatizar as palavras...  Escapou da mochila, se arrastou pela sala... E foi aquela gritaria, os alunos voando pela porta, até pelas janelas, professora aos gritos em cima da mesa, Aline olhando para ela com cara de espanto, o mundo entrara em convulsão... E ali o homem que quer matá-la, um horror... E os gritos de Aline,
- Pare, pare, Coralina é minha amiga, não tem veneno, não...
E carinhosamente quer recolher a pequena coral, mas um moleque a pega primeiro, corre com ela pela escola, a gritaria agora é geral, cachorros latem nas vizinhanças, alunos e professores saem apavorados de outras salas, alguém liga para os bombeiros, ouvem-se sirenes, o pandemônio tomou conta da escola... Pobre Coralina, maldizendo o dia, a hora e o minuto em que quisera vir pra cidade. E o bombeiro que a toma do menino, gritando,
- Não, não é venenosa, uma graça de cobrinha assustada, cuidaremos dela, vai viver no zoológico com suas irmãzinhas...
Mas, as irmãzinhas do zoológico não eram irmãzinhas, e sim, cascavéis, jararacas, corais venenosas mesmo, surucucus, sucuris imensas... Tentou descansar, dormir um pouco, relaxar... Impossível. Sentiu profunda saudade da fazenda, da gente toda de lá. De acordar sem sustos, de ir à varanda tomar um solzinho, ouvir as araras gritando, divertir-se com as pererecas pulando por todo lado, cumprimentar Oscar, o sapo morador na portaria.
Então Coralina escreveu um bilhete ao Pita, o piloto seu amigo, contou o ocorrido, a ajudasse a voltar à fazenda, levando-a no seu aviãozinho... Que ajudou... E assim, Coralina voltou à fazenda, aos amigos, gente e bicho, à vida feliz. E nas férias escolares, lá está sempre Aline pra matar a saudade...
***
Do livro Naná e o Beija-flor de Maria Coquemala, de Itararé - SP.  Além desse, é da autora “Circulo Vicioso”, “O último desejo” e “Além dos Sentidos”. Contato: maria-13@uol.com.br